Lethe

As margens do esquecimento, me alimento do mesmo sentimento. Me sinto faminto com cada diferença, cada passo que não me aguenta. Posso esquecer de tudo a qualquer minuto, mas lembro do que não sei. Essa ignorância aos sentimentos, talvez as lembranças, talvez o relento. Mas posso simplesmente esquecer, se de um copo dessa aguá eu beber, mas não quero mais. Quero lembrar mesmo do nada que me traz. Mesmo apagado, ainda posso ver, como se o mundo não deixasse esquecer. Cego, sem sentir ou falar, posso saber que dessa esperança não vou escapar. Vai estar em meus olhos, na minha fala. É horizonte, nesse céu sem mar. Esqueço do rio que me esquece e vazio fico até chegar, passo pelas margens escuras, caminhando. Esse destino que ainda me guia, não sei para onde. Quando chegar, não quero deixar de lembrar. Cada passo nesse mundo, darei por que no fim, não sei o que terei, mas sonho o que será.

O Barqueiro

Água escura do rio move lentamente para lugar nenhum. Os sons torturados emanam a dor sem vida, tentam me negar jornada. Nada importa a não ser o destino, seja qual for. A barcaça se aproxima, uma mão pede o dízimo da travessia, sem esperar minhas razões. Pago o que devo, mas espero paciência para que ouça explicação. Em vida estava no barco da lamentação. A travessia acompanhada de tristeza e solidão. Na voz murmurada do barqueiro, cântico a Eurídice. Conto então da felicidade, momentos e lugares de amor. De forma lamentosa, ele aponta sem hesitar o rio da dor. Falo das lembranças e palavras, vontades e planos, sorrisos perfeitos. Ele aponta na decida o rio, o caminho procurado para quem quer esquecer. Lamento então o dia negado, do sol apagado e do silêncio. O rosto frio aponta sutil o rio gelado da negação. Cansado, virando o barco, negando minha peregrinação. Conto-lhe da esperança, da incerteza da vida e de toda indecisão. Talvez por só ver a certeza da morte, nunca tenha entendido a canção. Orfeu não parou para explicar que na melodia, nada mais existia a não ser o amor que oferecia, sem ele não era herói, história ou fantasia. Sem o caminho da morte, não poderia entender a vida. Segui caminho pelo rio da melancolia.

Catabasis

Mergulho no abismo incerto em busca da incerteza. Perco a cabeça a cada centímetro sem questionar tal queda. A verdade é aquela que me cerca. Me sujeito a total indiferença, caminhando por labirintos, seguindo destinos marcados por um fio de lã. Na escuridão me encontro tateando cada passo, no meu encalço, o passado e nele existe você. Nesse lugar desesperançado, sozinho, com medo de temer a próxima esquina e não te encontrar. Assim, lembro de Orfeu, que morte nunca temeu e por esses caminhos percorreu, em meio ao desespero dos eternos e das certezas convenientes da eternidade. Chegou o mesmo aos mortos, vivo e esperançoso, tocando melodia divina, pois ali estava em busca do amor. Esqueceu então do tempo e deixou de ser sereno para ali se mostrar inteiro, certo e seguro de que nada existe nesse nem em outro mundo, que se iguale ao seu amor. Diante do sub-mundo, sem argumentos, não carrego peças de prata, mas subo nessa barcaça a caminho.

Então Lembra

Não é importante ver nesse futuro distante uma incerteza constante que domina a vida. Essa saudade é minha, assim como a vontade de estar e querer de qualquer jeito. Palavras que falo por inteiro sempre me deixam reticências. Continuações de pensamentos sem delimitações de começo sem final. Parei no mundo no calçamento, sem arriscar sentimento ou dor. Evito olhar nos seus olhos fixamente. Sem querer me perco novamente, sem guia, cego. Para mim, o sorriso que me alegra, quero ter para sempre ela, se um dia permitido for. Em nada vou julgar esse meu jardim, por pouca flor. Ignorar meus próprios erros, cometidos entre tempos e ventos, rugidos de cor. Sou egoista e quero seu sorriso, aonde estiver, quero levá-lo para onde quer que me leve. Serei então o que tiver de ser, para ter o que me for possível e viver o que me for capaz.

Across Again

Quando foi que decidiu ver que os sonhos que teve nos momentos felizes, que foram poucos, eram apenas parte da ilusão, medo da solidão, esquecer da solidão e procurar numa canção tudo que seu coração só soube dizer não. Mas enfim chegou a verdade, essa cruel realidade que no meio da saudade veio falar que felicidade não faz parte. Não adianta mais gritar, correr ou dançar, chorar ou sofrer, nesses olhos fechados eu posso ver, que quando o tempo chegar e você se afastar, não vai ter mais lugar para se abrigar, nem para quem ligar, conversar, chorar ou rir, só terá o que esquecer e a quem ignorar. Deixa o valor do dia que passou para o próximo dia. Se não sabia o que tinha, não vai ser agora que vai notar. Passam as ondas do mar e esquecem do céu que de tanto olhar, chorou pelo mundo inteiro. Ninguém te escuta cantando de frente ao espelho, querendo alguém para amar. Se um dia nessa vida, achar alguém que te defina e que no fim saiba qual valor te dar, vai esquecer que o sonho um dia existiu e nunca vai deixar de amar.

Pegadas de Vento

Pegadas de vento em areia queimada. Sabe-se lá por onde se passa. Fazendo sol ou caindo chuva, quero ver e mais nada. Sem trilhar caminhos, destinos ou redemoinhos, não sei o que faça. Se olho para o céu, vejo nuvens, me volto para o mar, água. Nos olhos não vejo nada. Então prossigo por entre incertezas e caminhadas. Nesse lugar chamado vida, só se segue com calma. Nem lembrança do rosto, nem carinhoso. Cada centrimetro de passado, medindo, meticuloso. Quero entender esse futuro duvidoso e esquecer do que quer ser esquecido. Não quero ver de novo, viver sem abrigo. Se acendo uma fogueira é para clarear. Esse coração que incendeia, nem lágrima apaga. Sentimento escondido dentro de cada favorecido, tendo a incerteza dessa vida transviada. Pois que venha onda e leve cada passo atrasado. Se souber por onde vou, não esqueço o que aconteceu, só não quero saber de viver no passado.

Subindo Ao Palco

De nada vale palavra dita em suspiro. Coração que bate forte é o mesmo que se cansa de bater. Não adianta a dúvida sem a possibilidade de uma solução. Então sentamos e assistimos o espetáculo. Rimos e nos emocionamos, sentados na ponta da cadeira, com medo do que pode acontecer. A cada som, algo diferente. Em cada movimento contorcido uma nova figura. A música se eleva e as palmas explodem. Somos então velhos jovens. Encontrando alegria na mais pura fantasia. Até que a cortina se fecha. O som cala e as luzes se apagam. Fica então a saudade da esperança na beleza que balança numa corda lá no alto. Deixa de lado a lembrança e fica só o desejo de querer estar no meio, mas com medo de estar. Artista sem picadeiro, vagando o vazio sem aplausos, maquiagem ou equilíbrio. Sem sorriso ou lágrima, amor ou rancor. Nada para mostrar a não ser o espaço em branco iluminado por uma luz branca. De nada vale o suspiro se a palavra não é dita. De nada vale dize-la se só suspiro for.
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