O Barqueiro

Água escura do rio move lentamente para lugar nenhum. Os sons torturados emanam a dor sem vida, tentam me negar jornada. Nada importa a não ser o destino, seja qual for. A barcaça se aproxima, uma mão pede o dízimo da travessia, sem esperar minhas razões. Pago o que devo, mas espero paciência para que ouça explicação. Em vida estava no barco da lamentação. A travessia acompanhada de tristeza e solidão. Na voz murmurada do barqueiro, cântico a Eurídice. Conto então da felicidade, momentos e lugares de amor. De forma lamentosa, ele aponta sem hesitar o rio da dor. Falo das lembranças e palavras, vontades e planos, sorrisos perfeitos. Ele aponta na decida o rio, o caminho procurado para quem quer esquecer. Lamento então o dia negado, do sol apagado e do silêncio. O rosto frio aponta sutil o rio gelado da negação. Cansado, virando o barco, negando minha peregrinação. Conto-lhe da esperança, da incerteza da vida e de toda indecisão. Talvez por só ver a certeza da morte, nunca tenha entendido a canção. Orfeu não parou para explicar que na melodia, nada mais existia a não ser o amor que oferecia, sem ele não era herói, história ou fantasia. Sem o caminho da morte, não poderia entender a vida. Segui caminho pelo rio da melancolia.

Catabasis

Mergulho no abismo incerto em busca da incerteza. Perco a cabeça a cada centímetro sem questionar tal queda. A verdade é aquela que me cerca. Me sujeito a total indiferença, caminhando por labirintos, seguindo destinos marcados por um fio de lã. Na escuridão me encontro tateando cada passo, no meu encalço, o passado e nele existe você. Nesse lugar desesperançado, sozinho, com medo de temer a próxima esquina e não te encontrar. Assim, lembro de Orfeu, que morte nunca temeu e por esses caminhos percorreu, em meio ao desespero dos eternos e das certezas convenientes da eternidade. Chegou o mesmo aos mortos, vivo e esperançoso, tocando melodia divina, pois ali estava em busca do amor. Esqueceu então do tempo e deixou de ser sereno para ali se mostrar inteiro, certo e seguro de que nada existe nesse nem em outro mundo, que se iguale ao seu amor. Diante do sub-mundo, sem argumentos, não carrego peças de prata, mas subo nessa barcaça a caminho.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Blogger Templates by Blog Forum

http://meublogtemconteudo.blogspot.com/