Tinta em Tela Branca

Tens-me aqui novamente, defronte a tela alva na qual desencarno todo o meu ser. Não espero querer, simplesmente olhar e viajar. Meu lugar secreto esta no detalhe incerto, onde encontro sem notar, o motivo do meu sonhar. A fumaça sobe na direção do vento que uiva, balançando as palavras da minha imaginação. Perdi a total noção do real, tudo agora é criação. Engolfado no momento que lembro, ou do dia que passo. Exponho intimidade, imoralidade, imortalidade, a impessoalidade exclusiva. Palavra viva, pulsando dos meus dedos para o desejo dos olhos daqueles que aguardam transporte para o imaginário. O fogo em titubeio vacila seu brilho e me cansa a vista, mas continuar é necessário, pois a inspiração é como chama no vento, qualquer descaso e se vai. Labareda que dança na mesa, imagino beleza dentro desse calor. A tinta que desenha a linha que escreve a letra que me fala de você. Conta-me sobre esses dias que não contam as horas para te ver. Começa a criar forma, cada riscar me conta mais sobre quais sonhos quero viver. No branco dessa tela ficam as palavras, frases sem som, apenas emoções. Suplicantes são as indecisões de escrever mensagens para as próximas criações.

Acorda com o coração do tamanho da dor possível. Amargura do fim que aguarda qualquer um que se aventura nos braços do sentimento. Essa esfinge que espera uma resposta correta para perguntas impossíveis. Nada temos a esperar, chega sem pensamento ou permissão alguma, mas exige tudo. Esse querer nos toma de surpresa e quando menos esperamos, chega a tristeza, como se naquele lugar onde guardava a felicidade, agora vago, decide que vai se instalar. Demora para ir embora, e a angústia se faz de querida, depressiva, desimpedida e na lágrima tem seu grito de vitória. Até que, novamente, sem qualquer motivo aparente, existe um vazio, nada mais se sente. O tempo passa e esquece do sofrimento, até a alegria daqueles dias não é mais tão importante para se lembrar. E então chega uma voz, um toque deliberado, um sorriso meio escondido, um desejo compenetrado, um velho conhecido do lugar vago. Lembramos algumas vezes sobre o que foi sofrer, mas esquecemos porque gostar é o melhor de viver, nesse paradox da vida, o que sentimos é mais importante do que nos proteger das incertezas. Somos envolvidos pela natureza do querer encontrar alguém que nos completa.

Esses eventos, acidentes sem qualquer ligação com a vida até aquele momento em que o tempo mostra como a espera nos leva para o lugar certo. Pequenas coisas, elevando até as sequências do destino e assim encontro. Ela tem garras que chegam rasgando qualquer linha incoerente e tornando simples uma vida cheia de teias e sombras. Ela tem asas que me levam até onde a inspiração encontra o sonho. Eleva meu ser para que tenha o que querer e assim ser o que ela quiser. Ela e seus olhos, sorrindo sempre que se deparam com o meu olhar. Chamando-me no meio da noite, onde só encontro meu norte quando vejo o seu brilho ao me encontrar. Ela tem minha alma, guardada dentro do coração e nem sabe. Entreguei-me de dentro para fora para as chamas dos seus sentimentos e agora, me deixo ser consumido pela sua vontade e minha rendição. Ela tem meu futuro, porque meu espelho diz o quanto estou feliz e não quero mudar. Ela tem o meu beijo, por agora sentir que minha boca não tem mais gosto pelas palavras, ela se apaixonou pelos seus lábios e lá quer estar. Ela me tem, não penso em nada mais e quanto mais penso, mais quero. Das garras que rasgam de mim a verdade e me seguram com força, as asas que me elevam aos céus, seus olhos que me prendem, minha alma que é sua, meu futuro, tudo o que faremos juntos e meu beijo que nela encotra refúgio. Ela me tem por completo porque nela eu sei que estou seguro e dela, serei resguardador.

O rosto se aproxima do espelho, respira fundo e deixa um beijo, vai embora. No desembaraçar dessas caminhadas tortuosas, anônimas pessoas e suas histórias, me cruzam o caminho e se postam ao meu lado. Não questiono o silêncio do mundo ou mesmo pergunto se deveria ser questionado. Talvez meu dever seja apenas reconhecimento e em todo caso, entendimento. A boca se aproxima do rosto, respira próximo ao ouvido e deixa uma palavra, segue o dia. Sigo com questionamentos sobre a existência da vida e o que ela entende sobre mim. Parado novamente, observo ao redor tudo que cerca essa viagem recorrente, nada responde nem explica as suas razões, apenas segue em frente e espera que enfrente o que de frente, se nega a mostrar. Novamente volto a questionar os motivos que me motivam a caminhar. O rosto se aproxima do rosto, a boca se aproxima da boca e a palavra deixa de ser dita, a respiração se vai e a vontade fica, sempre querendo mais. Os passos pensam e as palavras param dentro de mim. Vejo-me ao seu lado e entendo a motivação das ações. Emoções que embaçam a visão, não entendem a razão e suas razões. Querem sentir sem medo, se entregar ao beijo da voz, a vontade dos braços e as lágrimas da saudade, mesmo que no fim, em pedaços venha a ficar.

Deixo que a palavra me leve para qualquer lugar, não quero ficar aqui nesse mundo sério, de rostos inconstantes e tempo que passa. Deixa-me ser carregado para um mundo de confusão, onde nada que digo faz o mesmo sentido e tudo que faço seja a primeira vez. Quero ganhar sem competir, ter sem correr atrás, ser sem esforço. Quero redesenhar meu universo com um pincel chanfrado, cheio de caminho para todos os lados. Escrever o que direi em seguida e caso erre, corrija, possa retratar e recontar. Viver lá e nunca mais voltar para as incertezas, os erros eternos cometidos pelo uso do "sim" ou do "não". Desejo me alimentar de ilusão, ir para onde apenas a insanidade conhece razão. Motivar meus instintos selvagens, desligar minha racionalidade e ser puramente vivo, sem ambição ou traição. Se fosse complicado, jogaria fora, me fazendo raiva, atacaria sem o menor desprazer. Eterno artista do não saber, vivendo como se por acidente, independente de depender do que ser humano pode ser. Um inconsequente sem nada mais do que um sentimento, uma caneta e uma tela branca.

O calor é levado pela brisa, aquecido pelo luminosidade do amanhecer vagaroso. Fechando os olhos, sinto sua passagem a procurar meu rosto, como se em mim, encontrasse um amante. Deixa um sorriso no calor que permanece do lado do rosto e se volta para outro como se não fosse nada mais do que por delicadeza. É manhã, olho para cama que na noite foi devassa, agora, no sol se banha. Ela fazendo cara de quem não quer, cheia de dengo nos olhos fechados. Puxo a cortina com ciúmes do sol. Cerrando a visão para melhor poder sentir essa sensação. Sereno é o incendiar dessa nossa relação. As pontas dos dedos pulsam, nuas e desinibidas, desejadas e descuidadas, donas da fantasia. Cada toque pára e retorna, faz tremer e provoca, faz querer mais da manhã. Desenho um mapa de curvas e linhas, de altos e baixos, de beijos molhados e desejos descobertos. Mais e cada vez mais perto, chego a deparar-me com algo que pretendo descobrir o porque, imaginando ser a mais linda imperfeição. Aprendendo, estudo seu corpo, que agora é meu corpo, como o meu é seu. Sentindo sensação sem receio, pois esse sou eu nesse amanhecer sedento de ser.

Em parte, atrasado, noutra adiantado, procurando onde não foi deixado, esquecido quando agora é para ser guardado. Tempo passa como pássaro indo e vindo sem destino traçado, seguindo o vento, de um lado para o outro. Errante sentimento, faz das lembranças uma máquina do tempo, me mostrando o que não posso mudar. Do destino traçado, pontos interligados mostram não possuirem forma de diversificar. Também não existe a vontade de mudar o rumo, esse é o caminho desse mundo, cada uma leva consigo o que não pode levar. Destinos, escolhas e problemas que dão forma, criam seus próprios criadores. Invenções de amar e sentir dor, de cor e choro, grito espontâneo, abafado por travesseiro, desespero destinado ao desapego, demorado, mas despertado, inesperado. Entrega esse novo mundo para juntar ao meu, não o antes ou depois, mas o agora. Não tenho como esperar esse desejo de mudar, desejando o tempo que não chega, o dia que não clareia. Caminhar novamente em direção aquela meia hora, que passa lento em volta e não sabe se quer chegar. Deixa as areias do tempo virarem, o dia trocar a hora passar, um momento desterrado novamente, sentimento se desejado, pode o tempo parar.

Deveria deixar esquecido o desejo, cantar novamente o sonho, o beijo. Entende, escuta o inaudível, um pensamento vivo que lê como se fosse seu. Escreve como se da língua podesse extrair a alma de um romântico e do dia, um novo dia quisesse fazer. Então lembro e sem ela, apenas a espera, o gosto que deixa quando me leva pra perto. Retiro as asas, sua luz desaparece, desconstroi minha invenção, desfaz o que vem do coração, o que da vida faz canção. Os verbos estão todos no passado, deixando rastros sempre que passam pela imaginação. Largou da minha mão e deixou apenas lágrima. Fez de mim um pensamento sem pensar em nada, fez de mim um sentimento sem entender o que senti. Esta lá sem saber que esta e esquece que em meus olhos, você sempre estará. Não sai de mim a volta e quando voltar, terá de mim o mesmo saber, querer e esperar. Que essas asas me levem ao alto, que do alto possa te encontrar. Desejo então ser o anjo do seu lugar e ver de cima até onde eu posso alcançar e talvez, não terei mais de viver com a dúvida, apenas a certeza do beijo e sorriso sorrindo por retornar e não soltar.

Deixei que fosse dessa forma, como uma porta que abre e aberta, não demora. Ela olha para mim como que pedisse ajuda. É uma liberação, fantasia tornada real, desejo feito de carinho apaixonado, seduzido por um sorriso beijado. Acena promessas, fascina meus olhos com carícias me envolvendo totalmente, cada toque dos dedos parecem faiscar, chamando mais para perto. Movimentos cintilantes, procurando um lugar novo para chamar de seu, me redescobre a cada gesto momentâneo de deleite. É assim que a vejo, um vento suave que sopra em minha existência e ao mesmo tempo, inflama de anseio. Querer demais o que ainda não compreendo direito, o que preciso entender, mas não existe forma, as palavras que me faziam companhia, falham a memoria, esquecem por não serem mais como antes foram, desejadas como um dia estiveram, sentem ciúmes do sentimento inesperado, que surge carregado na delicadeza da paixão, transformando a cada instante em algo mais, além da simples chama da afeição, predisposto a crescer e ser motivo e razão, uma necessidade.

Flutua alto em meio a celestes pontos brilhantes, entre uivos e sussurros, por sobre corpos de amantes. Sobrevoa esplanadas e avenidas, vias e rodovias, prédios e moradias. Passa acima das nuvens e viaja dias, direcionado apenas pela esperança. Saí sem destino certo, mas destinado mesmo assim, para um determinado lugar sem fim. Pensamento voa longe, chega onde quer chegar, não tem parede que o detenha, nem prisão que não escape, leva consigo a vontade de querer e mais querer. Não entende limites, o que importa são as possibilidades infinitas de um sonho e todas as suas variações. Imaginando cada momento feliz, mesmo quando o canto é triste. Imaginar uma saída para qualquer uma das decisões. Impossível pensar e não querer pensar mais, achar e não querer encontrar mais. Criar e saber que de um pensamento aleatório, veio um impacto que mudou vidas. Grandes atitudes são providas de bons sonhadores. Encontrar em meio a um delírio onírico a resposta tão aguardada, desmontando a realidade e tornando a possibilidade em verdade. Alcançar o que do alto das nuvens desce flutuando, a procura do que virá a desejar.

Luz provocada pelo mais simplório gesto. Ensurdecedor o som provocado por um genuíno sorriso. Devastador provocar uma lágrima solitária. Nada faz sentir tudo tão diferente. Como se o sol não tivesse poente ou a lua nunca saísse do lugar. Vida se define, tem como segredo esse gosto tão prazeroso e complexo. Nem sentir é tão certo e provoca tantos erros e vontade de errar. Não faz diferença saber quando começa e não tem como acabar. Faz de tudo um acerto, mesmo quando irracional esta. Pode ser descrito milhões, mais até que isso, mas nunca parecido, sempre desiludido e muito raramente recíproco, imaginado e reprimido, proibido e renovado, ilhado ou platônico, saudado ou saudade. Abrem-se as cortinas, apresenta a luz para o dia, ensina o sol a brilhar. Nada mais intenso do que a força desse sentimento, quanto mais pura sua forma, mais se expande, se espalha pelo mundo. Descreve mitos e deuses, provoca sacrifícios impossíveis, cria músicas que encantam o fim da vida, faz do choro cachoeira e do beijo, uma ilimitada vontade de provar o mais doce anseio e nunca parar. O infinito esta até onde o sentimento pode alcançar.

Entrega então o beijo doce que falta. Deixa que se chegue e não se deixe levar por nada. Olha para a inocência da realidade e diz acreditar no futuro. Esquece que um dia pode acreditar em tudo. Olhando para as nuvens, deseja criar formas como sonhos feitos de ar. Brinca com a vida por que as incertezas são mais fáceis de se lidar. Abstrato pensamento feito de vapor e desejo. Procurar em outros sorrisos o mesmo sentimento, mas nada. Não existem repetições nessa corrida, só novas linhas de chegada. Não se perde tudo, mas não se ganha nada. Volta o impasse dessa caminhada, esperando que entenda a razão de ser assim e saiba que não foi a intenção. Momento permitiu novo dia, inesperado como um raio em céu aberto. Deixa então as intenções que nunca foram, as vontades que não vieram e os sonhos que deixados para trás, são apenas imagens vistas de olhos fechados. Não acabou, mas acabado, não se deixou e foi deixado e agora não se vê, apenas lembra do que um dia foi, mais uma vez, inacabado.